terça-feira, 19 de janeiro de 2010



Veja a Umbanda


No Programa Série Sagrado da Tv Globo

Muito bem representada por nosso irmão

Etiene Sales

http://www.youtube.com/watch?v=Mjcan6lyz60&feature=player_embedded


A VELHA INSENSATEZ HUMANA.

Saíu  no Yahoo Notícias


"O cônsul geral do Haiti em São Paulo, Gerge Samuel Antoine, apareceu em reportagem exibida na noite desta quarta-feira( 14 de janeiro) no programa "SBT Brasil" dizendo que o terremoto está "sendo bom" para seu trabalho e que a tragédia pode ter ocorrido por causa da religião praticada por boa parte dos haitianos, descendentes de africanos. O vodu é uma delas.



Sem saber que estava sendo gravado pela equipe da repórter Elaine Cortez, o cônsul diz um interlocutor: "A desgraça de lá está sendo uma boa pra gente aqui, fica conhecido. Acho que de, tanto mexer com macumba, não sei o que é aquilo... O africano em si tem maldição. Todo lugar que tem africano lá tá f..."



O âncora do programa, Carlos Nascimento, informou que após a gravação foi feito um outro contato com o cônsul, interpelando-o sobre as declarações. Antoine disse que se sente preparado para o cargo."



No final da matéria tem o vídeo a disposição daqueles que querem confirmar.



Como pode um ser humano achar que uma catástrofe é boa para dar visibilidade para seu país?

Nenhuma das mortes para ele tem valor porque afinal a maioria da população haitiana é negra descendente de africanos.

Sob a visão racista e intolerante quanto à religião alheia, a estupidez deste cônsul não lhe proveu de nenhuma diplomacia.



Como explicar pelo viés do cônsul a morte da católica Zilda Arns Neumann e de tantos outros que nem haitiano eram?



Tem-se conhecimento de 18 grandes terremotos no mundo.





• No ano de 1755, no dia 1º de novembro ocorreu na capital de Portugal, Lisboa, às 09h20min da manhã um grande terremoto que vitimou fatalmente pelo menos 100 mil pessoas. Segundo documentos da época, esse tremor registrou algo próximo de 9 graus na escala Richter.



• No dia 19 de setembro de 1985, o México presenciou a fúria de um abalo que provocou a destruição do Distrito Federal e a morte de milhares de vidas.



• No dia 14 de fevereiro de 1556, na cidade chinesa Shaanxi, ocorreu um grande tremor, apesar da imprecisão dos dados esse ocupa o segundo lugar quanto ao número de mortes provocadas por fenômenos naturais, pois 800 mil pessoas perderam suas vidas.



• Ainda na China, no dia 28 de julho de 1976, na cidade Tangshan, às 03h42min, um tremor de 8,2 graus na escala Richter com duração de 14 segundos deixou a cidade em total destruição e aproximadamente 242 mil pessoas mortas.



• No Japão, no dia 17 de janeiro de 1995, a cidade de Hanshin sofreu um abalo que durou somente 20 segundos, mas que resultou em prejuízos de 100 bilhões de dólares e saldo de 6,5 mil mortos.



• No Chile, em uma cidade chamada de Valdivia, no dia 22 de maio de 1960, ocorreu um tremor que ficou conhecido como o Grande Terremoto, uma vez que foi o abalo de maior intensidade já registrado na história com 9,5 graus na escala Richter (em um escala de varia de 0 a 9), esse fenômeno gerou um grande tsunami que atingiu o litoral da América do Sul, Ilhas do Havaí a 10 quilômetros de distâncias.

• Em 1811, em 16 de dezembro na cidade Nova Madri, Estados Unidos, ocorreu o maior terremoto da história do país, com 8 graus na escala Richter.



• Em Los Angeles (Estados Unidos) no ano de 1994, no dia 17 janeiro, a cidade presenciou a fúria de um tremor que aconteceu às 04h30min com 6,7 graus na escala Richter. (http://www.mundoeducacao.com.br/geografia/grandes-terremotos-historia.htm)



Será que a população dessas localidades eram todas “macumbeiras”?

Será que foram castigadas pelos seus deuses?

Quando eu era pequena minha avó dizia que no Brasil não havia furacão nem terremoto. Acho que  por isso, "Deus era brasileiro". Contudo, conforme a lista a seguir, podemos ver que havia terremotos só que não faziam vítimas

• São Paulo, 1922 (5.1 na escala Richter)

• Espírito Santo, 1955 (6.3 na escala de Richter)

• Mato Grosso, 1955 (6.6 na escala de Richter)

• Ceará, 1980 (5.2 na escala de Richter)

• Amazonas, 1983 (5.5 na escala de Richter)

• Rio Grande do Norte, 1986 (5.1 na escala de Richter)

Foi somente em 2007 que um albalo sísmico detectado no Brasil fez sua primeira vítima.

• Minas Gerais, 2007 (6.6 na escala de Richter – a primeira morte causada por um terremoto no Brasil)

Será que Deus está deixando de ser brasileiro? Afinal com tantos brasileiros imigrando e mudando de nacionalidade, pode ser que Deus também está entrando nessa. Ou talvez se apercebeu que no Brasil também temos muita “macumba” e mandou seu recado.

Logicamente chegamos a essa proposição seguindo a infeliz lógica do cônsul haitiano no Brasil.

Que Ogun nos proteja de tanta insensatez.

domingo, 17 de janeiro de 2010

O ano inicia com as águas de Oxalá.

O velho e bom orixá nos deu uma tarde de muita alegria e axé.
Isso pode ser conferido no sorriso do pessoal.





Votos para 2010

Votos para 2010

Termina mais um ano em que passamos juntos na construção

espiritual de um espaço tanto terreno quanto astral de energia

positiva de paz, amor e prosperidade.

Num mundo em que tudo parece desmoronar, onde as relações

pessoais parecem dissolver sem laços afetivos, conseguimos fortalecer

nossas ligações nos dias em que estivemos juntos, doando um pouco

de nosso tempo para os orixás e entidades.

Chega ao final 2009. 2010 inicia com a renovação de nossas

esperanças e planos.

Aos Orixás peço que protejam seus filhos abrindo os caminhos para

as bênçãos do orum.

Às entidades, caboclos, preto-velhos, crianças, companheiros entre

outros espíritos de luz da Umbanda, peço que nos ensinem cada vez

mais a sermos humildes, pacienciosos, cultivando o amor ao próximo,

desinteressado da vaidade humana.

Que Oxalá traga Paz no próximo ano que se aproxima e que Ogum,

meu pai de todos os momentos, abra os caminhos da prosperidade a todos os

filhos do N’zo inkossi mokumbo ni Tata Kongo dia aruanda.

Muito axé Para todos!

Mameto dia n’kissi Oluanganji

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Artes e manhas









Diz o mito que foi Iku, a morte, quem cumpriu a difícil missão de levar para Oxalá a matéria que o ser humano seria moldado. Todos os orixás se compadeciam ao apanhar a lama, pois ela chorava muito quando era colhida. Iku não se compadeceu e levou a argila, matéria primordial na criação do homem. Depois dessa feita Eledumare , o deus criador da essência, deu a Iku a obrigação de devolver, algum dia, a matéria que fora emprestada para a confecção dos corpos humanos.
Assim Oxalá passou a fazer todos os  sere humanos que habitam a terra. Era muito trabalho e muitos foram os orixás que passaram pela moradia de Obatalá para ver o artesão de corpos esculpir os humanos. Porém logo se cansavam e voltavam para suas existências, onde seus afazeres e obrigações urgiam serem realizados.
Exu também foi à casa do pai, e ali se deixou ficar. Não tinha família nem terras para cuidar. Foi ficando e aprendendo a esculpir. Exu aprendeu a esculpir mãos, pés, bocas... O pai Obatalá contente com a ajuda disse a Exu que ele fosse morar na casinha que ficava próximo a entrada de sua casa. Bem ali, onde fica a  encruzilhada entre o orum e o ayê.
Por ser o artesão de corpos  Obatalá abençoa e protege todos os artistas.
Cristina, a nossa Cris, é uma artista . Dividindo seu tempo entre um doutorado na área de política, os aprendizados espirituais e a arte, ela molda a argila e a transforma em exaltação da alma. Cris também não se compadece do choro da lama e cria lindas peças, dando vida a terra mole e pegajosa, .
Mãos abençoadas.
Certamente é magia.
Beijos.













quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Aproveitando o ensejo segue o artigo de minha autoria "Quem não tem governo nem nunca terá, Exu e o jeitnho brasileiro" editado na revista Verve, n° 16 , 2009.





Quem não tem governo nem nunca terá,


Exu e o jeitinho brasileiro

Ivete miranda previtalli*


RESUMO



Exu é um dos orixás do panteão afro-brasileiro, que devido a seu dinamismo e seu comportamento perturbador tornou-se o mais polêmico de todos os orixás. Contudo, ele é o princípio da ordem e o agente da reconciliação, embora na sua maneira de agir, esteja sempre desconstruindo para construir. Ao chegar ao Brasil esse símbolo é ressignificado e mesmo que conserve as características fundamentais que são reveladas no orixá africano, o Exu brasileiro se desdobra em macho e fêmea. Nesse contexto surgem as pombagiras e compadres, que embora sejam representantes de uma marginalia característica brasileira, são muito estimados. Essa insurreição dos marginalizados, por ter como referencial a “vida” produz uma inversão de papéis que desta forma, legitima a transgressão.


Palavras-chave: Exu, religião afro-brasileira, transgressão




Exu

No panteão das religiões afro-brasileiras, Exu é sem dúvida o mais polêmico de todos os orixás. Trapaceiro, gozador, boa vida, perturbador, fomentador de brigas, intrigante, maldoso, vaidoso, orgulhoso, dono dos desejos sexuais, são algumas das inúmeras características que lhe são atribuídas pela sua capacidade de lidar e subjugar aquilo que no homem se mostra como anomalia.

Para nossa cultura, a instauração da incerteza causa a insegurança que é associada à fragilidade. Na realidade a ordem, a certeza, parece que nos traz a segurança, a estabilidade. Sendo assim, quando nos deparamos com um símbolo como Exu, que carrega consigo a ambiguidade, a constante presença de ruídos, a desestabilidade e a presença de uma fraqueza da consciência, que o remete ao horizonte da loucura, percebemos o quanto ele desconcerta o pensamento que está relacionado à ordem e a uma verdade única.

Exu é o orixá dinamizador que propicia as mudanças, que geram inseguranças e dúvidas. Isso se reflete na permanente necessidade que homem tem de fazer escolhas para reorganizar sua vida. Todavia essa dinâmica desestabilizadora, porque modifica, é a mesma energia que propicia a criação que está na arte da sobrevivência sob todos os aspectos, uma vez que o homem se constitui nas interações das diversas esferas da vida.

Desta forma, a desordem permanente na dinâmica de Exu nos permite compreender a complexidade do ser humano e de suas relações, uma vez que nesta dinâmica, aquilo que ilumina é aquilo que permanece à sombra.

Contudo, o temperamento revolucionário de Exu que se apresenta na mitologia sempre questionando as relações de poder e a todo o momento a desassossegar a razão, é responsável pela sua associação com o mal. Porém, Exu é a divindade que atua como mediadora entre o homem, as forças benevolente e as hostis. É o princípio da ordem e o agente da reconciliação, embora na sua maneira de agir, esteja sempre desconstruindo para construir.

Assim é Exu, representante mais fiel do homem e o mais polêmico de todos os orixás.



A dinâmica

Nenhum orixá pode pôr uma ação em movimento sem Exu. É Exu quem propicia a dinâmica ritual que faz as ligações simbolizadas pela encruzilhada de três caminhos, que liga e separa .(1)

É o orixá que permanentemente lida com a oposição entre o caos e a ordem. Exu devido ao seu caráter revolucionário está sempre a apontar para a transformação, e é no transito entre o acaso e a organização, que a dinâmica de Exu revela a complexidade do ser humano.

Exu representa a força dinâmica que caminha junto, lado a lado; é o divino mensageiro que sustenta imparcialmente o homem ou a divindade que realizam sacrifícios propiciatórios. Não governa e tampouco aceita governo de alguém.

Analogamente nas relações de poder é o contestador que exerce com liberdade a crítica de uma sociedade ou governo.



A informação e a narrativa

O candomblé é uma religião de tradição oral. Por isso os ensinamentos e os mitos são passados de geração para geração no contato do o dia a dia, na convivência com os mais velhos. Contudo, hoje em dia a tradição oral tem se resignado às modernidades tecnológicas, em que gravadores, a escrita e computadores passaram a fazer parte do aprendizado.

A propósito, sobre o entendimento dos mitos, nós estamos acostumados com a informação e por isso, muitas vezes sentimos dificuldades para entendermos este tipo de narrativa. A informação é a história informal, é rápida e explicativa, fala do outro e não envolve aquele que a recebe. Atualmente com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, podemos receber os mais diversos tipos de informações, que trazem consigo os mais diferentes níveis de violência, na intimidade do lar, durante nossas refeições familiares sem que nos atrapalhe o apetite, e com a “vantagem” de nos tornarmos pessoas informadas. A notícia é exibida como um fato verdadeiro e inquestionável, por outro lado, a narrativa exige de nós um questionamento e uma participação ativa quanto a seu entendimento. Ela tem o poder de mudar a experiência.

Walter Benjamin, em seu trabalho “Magia e técnica. Arte e política”, mostra na sua análise a essência da narrativa:

“A informação só tem valor no momento em que é nova. Ela só vive nesse momento, precisa entregar-se inteiramente a ele e sem perda de tempo tem que se explicar nele. Muito diferente é a narrativa. Ela não se entrega. Ela conserva suas forças e depois de muito tempo ela ainda é capaz de se desenvolver.” (2)

Ao contar os mitos afro-brasileiros, percebi que ao final deles os ouvintes embora muito interessados e envolvidos no processo, ficavam com interrogações. Na verdade os relatos são secos e ao terminar perguntam-me: E daí?

É como se ele estancasse no melhor da história, o que parece deixar um vazio.

Mesmo assim as pessoas gostavam de ouvi-los. Contudo, depois de repetidas vezes que eram narrados percebi que havia certa satisfação e entendimento. Acredito que quando as pessoas estavam mais envolvidas no contesto da comunidade religiosa, os mitos se tornavam mais claros e embora eles não trouxessem soluções prontas e diretas, certamente poderiam ser encontradas boas respostas através deles.

Acontece que o melhor da história está no vazio que é provocado quando termina a narrativa. Mesmo que o sentido possa ser encontrado na etnicidade, o mito não nos impõe nenhum contexto psicológico, a interpretação é livre, permitindo que o interlocutor termine esta história segundo sua experiência.

O mito a seguir foi relatado em uma das conversas de roncó (3), porém acredito que algum autor já possa tê-lo escrito. Ele traz à tona a questão da autoridade e o que a liberdade de ação implica em seu reconhecimento.

Exu é amigo muito próximo de Orunmilá (4).

Orunmilá viajava com Exu. A cada cidade em que passavam Orunmilá era recebido com muitas honras. Comidas e bebidas lhes eram oferecidas, pelo reconhecimento da sabedoria e a honra de chefe Orunmilá. A viajem transcorria bem, e os dois amigos caminhavam pela estrada, indo de cidade a cidade e passavam o tempo a conversar sobre suas aventuras. Orunmilá se vangloriava de seu reconhecimento social. Dizia que era respeitado por onde passava e que não importava onde estivessem, por mais longínquas que fossem as terras, ele era conhecido e todos estariam lhe esperando com honrarias.

Exu caminhava lado a lado com Orunmilá e apenas dizia: É mesmo babá? A despeito do que fizer todos sempre o reconhecerão? Seu poder é muito maior que qualquer desonra? O babá é mesmo muito poderoso...

Orunmilá confirmava.

Passaram por uma vila e foram, como predizia Orunmilá, recebidos com muitas honrarias. Um grande banquete os esperava, com fartura de comida e bebida, músicos tocaram os tambores falantes em sua homenagem e todos dançaram. Cansados depois de farta comida e muita festa foram dormir.

Na manhã seguinte, despediram-se do chefe e saíram pela estrada a seguir viagem.

Orunmila continuava a se vangloriar de seu poder. Exu caminhava ao seu lado, comentando a festa do dia passado. Num determinado momento Exu se afastou de seu amigo e entrou no mato.

Logo em seguida volta e se põe a andar novamente ao lado de Orunmilá.

Orunmilá sem compreender o afastamento do amigo lhe pergunta: “Onde foi, Exu?”

Exu despretensiosamente respondeu: “Não foi nada. Eu já estou de volta.”

Continuaram caminhando.

Após alguns momentos Orunmilá percebeu que do bolso de Exu respingava sangue, que deixava um rastro no chão de terra.

Sem compreender aquilo perguntou: “Exu, o que é isso? Há sangue pingando do seu bolso. O que tem aí?”

Exu muito tranquilo respondeu: “Ah meu amigo. Isso... não é nada. Quando entrei no mato vi uma criação de galinhas, peguei uma cortei sua cabeça e coloquei a galinha no bolso.”

Orunmilá estupefato exclamou: “Como você pode fazer isso? Você não sabe que isso é proibido? Você não sabe que pelo roubo nos darão pena de morte? Eles vão nos seguir e nos achar, ainda mais com este rastro de sangue que você deixou.”

Exu sem se abater disse: “Ora Orunmilá, você não vai se incomodar com isso, afinal um chefe tão respeitado, tão reconhecido, certamente estará acima destas punições. Quando virem que fomos nós que roubamos e matamos a galinha, eles nada farão contra o chefe Orunmilá!”

Orunmilá inconformado retrucou: “Não tem nada disso Exu. É melhor corrermos porque já escuto a gritaria do povo atrás da gente.”

Saíram os dois correndo e do bolso de Exu continuava a pingar sangue.

Ao saberem do roubo a população da vila se armou de porretes e saíram à caça dos ladrões. Logo perceberam o rastro deixado na estrada seguindo-o, na direção certa em que ia o ladrão.

Exu e Orunmilá correram muito e ao perceberem que não conseguiriam fugir, Orunmilá se jogou no chão e se transformou num rio, Exu se curvou e de cócoras se transformou numa pedra.

O povo que vinha no encalço deles logo chegou e todos cansados perceberam que não encontrariam os ladrões.

Cansados, pararam todos ali perto daquele rio onde alguns beberam água e outros se sentaram naquela pedra.

Exu, nesse mito, provoca uma revolta contra a ordem. Isso pode parecer um desacato à autoridade superior, uma vez que Orunmilá é um chefe, alguém que se gabava de deter o poder acima de qualquer suspeita. Porém, quando Exu o provoca com o roubo da galinha e ao deixar um rastro, ele problematiza a verdade sustentada pela autoridade de Orunmilá. Certamente esta foi uma atitude libertária de Exu.

Também foram contestados os poderes disciplinares vigentes naquela sociedade uma vez que a punição prevista não chegou a ser impingida aos que haviam cometido o roubo.

A constrangedora ação de Exu acarreta modificações, altera a lei e adéqua os costumes.

Exu age com liberdade tal que resulta em uma atitude pouco pacífica, pouco diplomática, uma vez que a perseguição só não termina em luta porque ambos tinham no mito a capacidade de transformação.



Exu e o jeitinho brasileiro

Exu orixá oriundo da religião tradicional ioruba quando chega ao Brasil encontra-se com outras deidades que de alguma forma tinham coisas em comum. O candomblé se organiza como religião com diversos elementos de diferentes nações africanas que conservam algumas características próprias da origem africana.

Segundo Liana Trindade, no Brasil: “Exu é o resultado de um processo onde se perderam os quadros sociais de referência pela degradação sócio-cultural do escravo africano. Houve o deslocamento de símbolos de uma estrutura lógica de pensamento, para adquirir novos sentidos fornecidos por um outro contexto de relações estruturais.” (5)

Contudo, mesmo que esse símbolo seja ressignificado, o Exu brasileiro conserva as suas características fundamentais que são reveladas nos mitos.

Uma associação de Exu é com a atividade sexual. Ele está relacionado tanto com ancestralidade feminina quanto com a masculina e conserva em si características de ambas sexualidades. Podemos observar que Exu é representado por um ogó que é um porrete de madeira com aparência fálica, porém vemos esculpido em alguns deles a representação plástica de uma mulher, significando a transversalidade sexual de Exu. Por ser assim, Exu ao se tornar brasileiro encontra a brecha para se desdobrar em macho e fêmea.

É interessante notar que no Brasil, nos terreiros de candomblé angola e muitos candomblés de nação queto (6) , Exu assume dois diferentes papéis: um dos papéis é aquele em que Exu acompanha o Orixá. Para esse Exu normalmente fica reservado num cômodo do terreiro onde o acesso não é permitido a qualquer pessoa. Ele “trabalha” somente junto e para o inquice ou orixá e a única pessoa que tem acesso a seu assentamento para obter benefícios é o próprio iniciado.

Outra representação de Exu é aquela em que ele representa o guardião. Sua morada é na entrada dos terreiros e tem a finalidade de proteger a casa de candomblé das demandas, além de atender aos desejos dos homens que o procuram para que ele os ajude a resolver os mais diversos problemas do dia-a-dia. (7)

Esse Exu é carinhosamente conhecido pela comunidade como “companheiro”, ou “compadre”. É nessa categoria que o Exu brasileiro se divide em macho e fêmea.

Curiosamente o nome do inquice bombogira (8) sofre uma corruptela e se transforma em pombagira a Exu fêmea.

Os adeptos têm certo grau de intimidade, carinho e respeito por essas “entidades”, que representam o espírito de pessoas que viveram à margem da moral social. São espíritos de mulheres, delinquentes, malandros, prostitutas, gente que viveu a margem da sociedade e que o complexo simbólico de Exu permite formar uma força peculiar, às avessas, que nesse movimento vêm se inserir pode-se dizer com certo glamour, à vida social sem contrariar nenhuma norma moral. No limite, podemos encarar esse arranjo como uma insurreição dos marginalizados, e adequação dos costumes.

Ao ler um artigo do professor João Neto sobre a “genealogia do malandro”, fiz a pergunta: Será que essa ressignificação do Exu no Brasil não tem a ver com a forma de ser de alguns grupos sociais brasileiros?

Seguindo a pista fornecida pelo autor, podemos então, também flanar sobre o pensamento de Nietzsche (9), e confrontar a dicotomia ocidental entre o bem e o mal com a complexidade de Exu onde o bem e o mal estão devidamente vinculados.

No ocidente, os valores morais que orientam a ética, são aqueles que desprezam a vida terrena para valorizar um mundo pós morte. Herança do cristianismo e do platonismo no ocidente o mundo espiritual é superior à vida terrena considerada transitória, grosseira e inferior.(10)

Por outro lado, Exu trata da “vida”, do bem estar hoje, da sobrevivência do homem. Não é no reino de Deus que o homem vai ser feliz, a felicidade plena tem que ser agora. Vida tem que ser boa e prazerosa. O prazer está em ter alimento, em trabalhar e que esse trabalho renda bons frutos, em amar e ser amado, em ter saúde, bons filhos, bons maridos e esposas, está também no sexo e no descanso.

Para João Neto, da mesma maneira como já havia ressaltado a antropóloga Lívia Barbosa: “o jeitinho, a malandragem e congêneres surgem como uma espécie de “mecanismo de adaptação às situações perversas da sociedade brasileira” (11), constituindo-se assim um artifício de sobrevivência, uma espécie de “drible” “(...) nas adversidades da vida, num país, historicamente, repleto de desigualdades.” (12)

Ainda segundo esse autor, esta categoria é aceita porque “a vida se impôs perante as leis e os costumes éticos formalizados, fazendo as circunstâncias efetivas se sobreporem à moral vigente.” (13)

Por conseguinte, mesmo que essa “marginalia” aja de maneira ilegal, e reprovável ela é uma massa de sobreviventes e neste caso a “vida” é o referencial que legitima a transgressão.

Assim fiquei curiosa de saber por que as consultas com Exus são tão concorridas e perguntei a um frequentador porque gostava tanto deles e ele me respondeu: “Porque eles são ótimos. Sempre dão um jeitinho.” Certamente um “jeitinho bem brasileiro”.

Podemos então, numa analogia pensar que o compadre e as pombagiras também fazem parte do caráter do povo brasileiro. Detentores da ginga, do malemolejo ao falar, do jogo de cintura, essas entidades encantam os que as procuram, por transitarem entre a ordem estabelecida e as condutas transgressivas.

E se a transgressão passou a ser um elemento constituinte da identidade de alguns grupos sociais no Brasil, quando os compadres e pombagiras despontam, há uma identificação de parte do povo com essa marginalia sobrevivente e admirada por serem vitoriosos na luta pela vida.



  1. Juana Elbein dos Santos. Os Nàgós e a Morte. Vozes, Petrópolis, 1993
  2. Walter Benjamim. Magia e técnica. Arte e política. — Ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sergio Paulo Rouanet Brasiliense, 1994, p. 204.
  3. Roncó: lugar reservado nos candomblé onde os iniciados passam meses recebendo lições de culto e participando de ritos propiciatórios para receberem a aproximação do orixá a que se dedicam.
  4. Orúnmìlà que é o Orixá da sabedoria, segundo o mito, é ele que está presente para ouvir a escolha do destino do ser humano, quando este vem nascer na Terra (ayê). Acredita-se que o destino tem duas formas de ser obtido, ou ele é dado para o ser humano ou é escolhido. Contudo, não importa de que maneira o destino fora adquirido, uma vez que no momento o importante é saber que no ato da escolha há um Orixá presente chamado Orúnmìlà e por isso ele é o conhecedor de todos os destinos. Essa condição lhe proporciona, através de jogos divinatórios, a possibilidade de ajudar os homens a encontrar seu melhor destino nos momentos de dúvidas.
  5. Liana Trindade. Exu — poder e perigo. São Paulo, Icone, 1985, p. 35.
  6. Queto: Nação de candomblé originária do povo ioruba.
  7. Ivete Miranda Previtalli. Candomblé: agora é angola. São Paulo, Annablume, 2008.
  8. Nos candomblés de nação Congo/angola Exu é sincretizado com Bombogira, Aluvaiá, Carococi, Pangira, Jiramavambo, Mavambo.
  9. Friedrich Nietzsche. Além do bem e do mal. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo, Schwarcz, 1992.
  10. João E. Neto. “Genenalogia da Malandragem” in Ciência & Vida: Filosofia. n° 37. São Paulo, 2009, pp. 19-29.
  11. Idem, p. 25.
  12. Ibidem, p. 26.
  13. Ibidem, p. 26.

Livro sobre Exu causa guerra santa em escola municipal

Parece coisa do passado. Ainda somos persseguidos, pela ignorância daqueles que acreditam numa verdade única. Mais uma vez Exu foi o protagonista dessa história. Não podemos ficar calados, pois também somos religiosos, temos nossas crenças e as praticamos. Nenhuma religião pode se intitular mais verdadeira ou melhor do que as religiões afro-brasileiras.
LAROIÊ EXU!!!


Livro sobre Exu causa guerra santa em escola municipal


Professora umbandista diz que foi proibida de dar aulas em unidade de Macaé, dirigida por diretora evangélica

POR RICARDO ALBUQUERQUE, RIO DE JANEIRO



Rio - As aulas de Literatura Brasileira sobre o livro ‘Lendas de Exu’, de Adilson Martins, se transformaram em batalha religiosa, travada dentro de uma escola pública. A professora Maria Cristina Marques, 48 anos, conta que foi proibida de dar aulas após usar a obra, recomendada pelo Ministério da Educação (MEC). Ela entrou com notícia-crime no Ministério Público, por se sentir vítima de intolerância religiosa. Maria é umbandista e a diretora da escola, evangélica.






A professora Maria Cristina mostra desenhos feitos por alunos após a leitura: mães evangélicas se rebelaram. Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia






A polêmica arde na Escola Municipal Pedro Adami, em Macaé, a 192 km do Rio, onde Maria Cristina dá aulas de Literatura Brasileira e Redação. A Secretaria de Educação de lá abriu sindicância e, como não houve acordo entre as partes, encaminhou o caso à Procuradoria-Geral de Macaé, que tem até sexta-feira para emitir parecer. Em nota, a secretaria informou que “a professora envolvida está em seu ambiente de trabalho, lecionando junto aos alunos de sua instituição”.



A professora confirmou ontem que voltou a lecionar. “Voltei, mas fui proibida até por mães de alunos, que são evangélicas, de dar aula sobre a África. Algumas disseram que estava usando a religião para fazer magia negra e comercializar os órgãos das crianças. Me acusaram de fazer apologia do diabo!”, contou Maria Cristina.



Sacerdotisa de Umbanda, a professora se disse vítima de perseguição: “Há sete anos trabalho na escola e nunca passei por tanta humilhação. Até um provérbio bíblico foi colocado na sala de professores, me acusando de mentirosa”.



Negro, pós-graduado em ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, o diretor-adjunto Sebastião Carlos Menezes aguardará a conclusão da procuradoria para opinar. “Só posso lhe adiantar que a verdade vai prevalecer”, comentou. Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, Sebastião contou que a diretora Mery Lice da Silva Oliveira é evangélica da Igreja Batista.



ATÉ CINCO ANOS DE PRISÃO



“Se houver preconceito de religião, acredito que deva ser aplicado todo o rigor da lei”, afirmou o coordenador de Direitos Humanos do Ministério Público (MP), Marcos Kac. O crime de intolerância religiosa prevê reclusão de até 5 anos. Em caso de injúria, a pena varia de 3 meses a 2 anos de prisão. O MP poderá entrar com ação pública penal se comprovar a intolerância religiosa. “Caso contrário envia à delegacia para inquérito”, explicou Kac.



Alunos do 7º ano leram a obra: referências ao folclore



Em 180 páginas, o livro ‘Lendas de Exu’, da Editora Pallas, traz informações sobre uma das principais divindades da cultura afro-brasileira. O autor da obra, Adilson Martins, remete ao folclórico Saci Pererê para explicar as traquinagens e armações de Exu.



Na introdução, Martins diz que ele é “um herói como tantos outros que você conhece”. Em Macaé, 35 alunos do 7º ano do Ensino Fundamental leram o livro.



Nas religiões afro-brasileiras, Exu é o mensageiro entre o céu e a terra, com liberdade para circular nas duas esferas. Por isso, algumas pessoas acabam o relacionando a Lúcifer.



O presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, Ivanir dos Santos, garantiu que outros autores de livros, como Jorge Amado e Machado de Assis, sofrem discriminação nas escolas: “As ideias neopentecostais vêm crescendo muito, desrespeitando a lei”.



Ivanir explicou que o avanço da discriminação religiosa provocou o agendamento de um encontro, dia 12 de novembro, com a CNBB: “Objetivo é formar uma mesa histórica sobre os cultos afro e estabelecer uma agenda comum”.



VIVA VOZ

Até mães de alunos me proibiram de falar sobre a África



“Acusam-me de dar aula de religião. Não é verdade. No livro ‘Lendas de Exu’, de Adilson Martins, há histórias interessantes, são ótimas para trabalhar com os alunos. Li os contos, como se fosse uma contadora de histórias, dramatizando cada uma delas. Praticamos Gramática, e os alunos ilustraram as histórias de acordo com a imaginação deles. Não dá para entender por que fui tão humilhada. Até mães de alunos, evangélicas, me proibiram de falar sobre a África”.



MARIA CRISTINA MARQUES, professora, 48 anos



Fonte do texto acima:

http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2009/10/livro_sobre_exu_causa_guerra_santa_em_escola_municipal_42866.html